A origem do segredo na democracia

sexta-feira, 17 de junho de 2011

“A democracia começa e termina com o segredo.” Assim se inicia um dos artigos de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp, sobre a relação entre os dois temas que mais lhe interessam nesse momento. Para comentar as recentes declarações dos ex-presidentes da República e atuais senadores José Sarney e Fernando Collor de Mello sobre o pedido de sigilo eterno em documentos oficiais [leia a reportagem principal aqui], ele remontou ao Estado Absolutista, e às revoluções modernas, quando a ideia de transparência nasceu no Ocidente.


“O segredo é um dos elementos fundamentais da razão de Estado. Quando você precisava definir os controles, populacional, econômico, do Estado, utilizou o segredo como elemento capital. Todos os recentes teóricos da razão de Estado veem o segredo como uma mola nuclear do estado moderno, autoritário, centralizador, em última instância, tudo o que aparece no ideal absolutista.”


Ele explicou que o segredo sempre foi usado de maneira a deixar o governante mais distante dos seus subordinados. Ele cita o exemplo de Thiago I, da Inglaterra, que dizia que juízes e parlamentares não deviam se meter nos negócios do príncipe, que só deve prestar contas a Deus. Falou também sobre o sociólogo Max Weber, que mostrou que os burocratas tinham poder sobre os governantes por serem os únicos a saber operar determinados meandros da máquina estatal. Contou ainda sobre o início da ideia de transparência, na Inglaterra, que logo aportou nos EUA e, em seguida, incentivou os ideais da Revolução Francesa. Mas que caiu em desuso com a subida ao poder de Napoleão, cujo modelo de sociedade, segundo Romano, se espalhou pela América Latina.


“No século XX, as grandes potências EUA, URSS, Inglaterra, França justificavam o segredo por estarem em quase guerra planetária. Com a guerra contra o comunismo nos EUA, com Joseph McCarthy, o usavam para justamente perseguir o cidadão privado, para acusá-los a priori de um crime que talvez nunca tivesse cometido. O segredo justifica a verba ciência tecnologia para a guerra, para grandes agências como CIA, FBI etc”, afirmou ele, lembrando de como no governo Bush houve perseguições às liberdades civis após o ataque de 11 de setembro, com até licitações secretas nos países invadidos pelos americanos.


“Tudo o que se viu no documentário ‘Inside job – a verdade de crise’ não é apenas o cotidiano dos republicanos, mas do Poder Executivo americano. As mesmas pessoas que começaram com o [presidente americano Ronald] Reagan ainda aconselham o Barack Obama. São criminosos, que levaram a economia quase ao desespero, com a falta de regulamentação, e ainda estão soltos.”


O professor acredita que houve um aumento extraordinário do segredo, uma “promiscuidade” enorme entre o público e o privado, segundo suas palavras. O exemplo seria o recente episódio envolvendo o ex-ministro Antônio Palocci.


“Onde ele evoca a confidencialidade, sendo ele deputado federal, aquele que faz lei para o todo o Brasil, que é representante de todo povo. Como pode um deputado manter contratos confidenciais com indivíduos particulares?”, argumenta. “Não há apenas uma sonegação de informações. Há uma unidade: quanto mais segredo, mais repressão e censura você tem sobre a cidadania.”


Professor de Ética e Filosofia da Unicamp faz a genealogia do sigilo nas sociedades ocidentais

Ronaldo Pelli

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