“A democracia começa e termina com o segredo.” Assim se inicia um dos artigos de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp, sobre a relação entre os dois temas que mais lhe interessam nesse momento. Para comentar as recentes declarações dos ex-presidentes da República e atuais senadores José Sarney e Fernando Collor de Mello sobre o pedido de sigilo eterno em documentos oficiais [leia a reportagem principal aqui], ele remontou ao Estado Absolutista, e às revoluções modernas, quando a ideia de transparência nasceu no Ocidente.
“O segredo é um dos elementos fundamentais da razão de Estado. Quando você precisava definir os controles, populacional, econômico, do Estado, utilizou o segredo como elemento capital. Todos os recentes teóricos da razão de Estado veem o segredo como uma mola nuclear do estado moderno, autoritário, centralizador, em última instância, tudo o que aparece no ideal absolutista.”
Ele explicou que o segredo sempre foi usado de maneira a deixar o governante mais distante dos seus subordinados. Ele cita o exemplo de Thiago I, da Inglaterra, que dizia que juízes e parlamentares não deviam se meter nos negócios do príncipe, que só deve prestar contas a Deus. Falou também sobre o sociólogo Max Weber, que mostrou que os burocratas tinham poder sobre os governantes por serem os únicos a saber operar determinados meandros da máquina estatal. Contou ainda sobre o início da ideia de transparência, na Inglaterra, que logo aportou nos EUA e, em seguida, incentivou os ideais da Revolução Francesa. Mas que caiu em desuso com a subida ao poder de Napoleão, cujo modelo de sociedade, segundo Romano, se espalhou pela América Latina.
“No século XX, as grandes potências EUA, URSS, Inglaterra, França justificavam o segredo por estarem em quase guerra planetária. Com a guerra contra o comunismo nos EUA, com Joseph McCarthy, o usavam para justamente perseguir o cidadão privado, para acusá-los a priori de um crime que talvez nunca tivesse cometido. O segredo justifica a verba ciência tecnologia para a guerra, para grandes agências como CIA, FBI etc”, afirmou ele, lembrando de como no governo Bush houve perseguições às liberdades civis após o ataque de 11 de setembro, com até licitações secretas nos países invadidos pelos americanos.
“Tudo o que se viu no documentário ‘Inside job – a verdade de crise’ não é apenas o cotidiano dos republicanos, mas do Poder Executivo americano. As mesmas pessoas que começaram com o [presidente americano Ronald] Reagan ainda aconselham o Barack Obama. São criminosos, que levaram a economia quase ao desespero, com a falta de regulamentação, e ainda estão soltos.”
O professor acredita que houve um aumento extraordinário do segredo, uma “promiscuidade” enorme entre o público e o privado, segundo suas palavras. O exemplo seria o recente episódio envolvendo o ex-ministro Antônio Palocci.
“Onde ele evoca a confidencialidade, sendo ele deputado federal, aquele que faz lei para o todo o Brasil, que é representante de todo povo. Como pode um deputado manter contratos confidenciais com indivíduos particulares?”, argumenta. “Não há apenas uma sonegação de informações. Há uma unidade: quanto mais segredo, mais repressão e censura você tem sobre a cidadania.”
Ronaldo Pelli
No dia seguinte ao pleito, manifestantes seguiram nas praças – a maior delas a Porta do Sol, em Madri – mas as preocupações nos acampamentos passavam longe do resultado das urnas. Em vez disso, as comissões formadas para viabilizar a mobilização se ocupavam com discussões que percorriam assuntos como “feminismo”, “mídia” e a própria manutenção dos protestos.
A sobrevivência do movimento, dias após as eleições, demonstra que as reivindicações não se limitam às mudanças de representantes, confirmadas pelas urnas, mas do próprio modelo de representação espanhol. O desafio agora é fazer com que o movimento mantenha os questionamentos sobre a situação social na Espanha sem que se confunda com os papéis desempenhados pelos próprios alvos dos manifestantes: os partidos políticos.
O risco, de acordo com Ferran Requejo Coll, doutor em Filosofia e professor de Ciências Políticas da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, é alto. Autor do livro “As Democracias”, resultado de pesquisa sobre as teorias da democracia, do liberalismo político e do federalismo, Coll afirma, em entrevista a CartaCapital, que os líderes do protesto erram quando assumem para si a responsabilidade de buscar soluções para a crise porque “não sabem como fazê-las”. É direto ao afirmar que a força e representatividade dos manifestantes – “não chegam a 100 mil pessoas em toda a Espanha” – são relativas e que eles são ingênuos por pensar ser viável a implementação de uma democracia de fato participativa, baseada em referendos e decisões coletivas.
“A democracia real, se implantássemos o ‘fazer o que o povo quer’, seria um desastre”, sentencia o analista, para quem a mobilização corre o risco de perder a legitimidade ao tentar fazer com que saiam dos acampamentos projetos de interesse nacional. “Quem decide o que é importante ou não? O movimento erra quando se coloca como um partido político”.
O especialista vê ainda “baixo preparo intelectual” nas contradições criadas pelo movimento, que, no entanto, tem como principal mérito “canalizar e expressar um mal estar social”.
Por Beatriz Borges
CARTA CAPITAL
André Barrocal
BRASÍLIA – A Procuradoria Geral da República (PGR) vai anunciar em breve se abrirá inquérito para investigar o enriquecimento do chefe da Casa Civil, ministro Antonio Palocci. Os adversários do governo petista acionaram-na depois da notícia de que Palocci comprou apartamento de mais de R$ 6 milhões em São Paulo, no que seria um sinal de “ostentação”. Pois a PGR também examina se é necessário apurar melhor a vida patrimonial de um outro figurão da República, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), líder máximo da oposição atualmente. O tucano entrou na mira do Ministério Público pelo motivo oposto ao de Palocci, a ocultação de bens, o que revelaria sonegação fiscal.
A denúncia de que o senador esconde patrimônio e, com isso, deixa de pagar impostos foi feita ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no dia 30 de maio, pela bancada inimiga do PSDB na Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
O fundamento da representação é o “estilo de vida” do senador. Com o salário de R$ 10,5 mil mensais que recebeu por sete anos e quatro meses como governador mineiro, diz a representação, Aécio não teria condições de viajar onze vezes para o exterior com a família, andar de jatinho, dar festas com celebridades, frequentar restaurantes caros e comprar os carrões com que desfila em Minas e no Rio, cidades onde tem apartamentos.
Na declaração de renda apresentada à Justiça eleitoral no ano passado, quando disputou e ganhou um cadeira no Senado, Aécio Neves informou ter patrimônio de R$ 617 mil, que os acusadores dele consideram uma ficção.
“Há claramente um abismo entre o Aécio oficial e o Aécio do jet set internacional. Ele está ocultando patrimônio, e isso leva ao cometimento de sonegação fiscal”, afirma o deputado Luiz Sávio de Souza Cruz (PMDB), líder da oposição ao PSDB na Assembléia mineira e um dos signatários da representação.
Linhas de investigação
O documento sugere duas linhas de investigação à PGR na tentativa de provar que o senador estaria escondendo patrimônio para sonegar impostos, num desfiar de novelo que levaria – e isso a representação não diz - à descoberta de desvio de recursos públicos mineiros para a família Neves.
A primeira linha defende botar uma lupa na Radio Arco Íris, da qual o senador virou sócio em dezembro. Até então, a emissora era controlada apenas pela irmã de Aécio, Andrea Neves. Os denunciantes do senador estranham que a emissora tenha uma frota de doze veículos, sendo sete de luxo, e mantenha parte no Rio de Janeiro. Se a radio não produz conteúdo noticioso nem tem uma equipe de jornalistas, para que precisaria de doze veículos, ainda mais num estado em que não atua?
A hipótese levantada pela denúncia é de que se trata de um artifício para fugir de tributos – a despesa com a frota e a própria existência dela permitem pagar menos imposto de renda. Além, é claro, de garantir boa vida ao senador.
Mas há uma desconfiança maior parte dos adversários de Aécio, não mencionada na representação. “Queremos saber se tem recurso público nessa rádio. Quanto foi que ela recebeu do governo desde 2003?”, diz o líder do PT na Assembléia, Rogério Correia. “Há muito tempo que a Presidência da Assembléia impede que se vote essa proposta de abrir os repasses oficiais para a radio Arcio Iris.”
Sócia da rádio, Andrea Neves coordenou, durante todo o mandato do irmão, a área do governo de Minas responsável pela verba publicitária.
A outra linha de investigação aponta o dedo para uma das empresas da qual Aécio declarou ao fisco ser sócio, a IM Participações. A sede da empresa em Belo Horizente fica no mesmo endereço do falido banco que os pais do senador administraram no passado, o Bandeirantes. Do grupo Bandeirantes, fazia parte a Banjet Taxi Aéreo. Que vem a ser a proprietária de um jatinho avaliado em R$ 24 milhões que o senador usa com frequencia, e de graça, para viajar.
O problema, dizem os acusadores do senador, é que a Banjet tem como sócio gestor Oswaldo Borges da Costa Filho, cunhado de Aécio e presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais durante o governo do tucano.
A hipótese levantada na representação é de que teria havido uma “triangulação de patrimônio”. Aécio controlaria a Banjet por meio da IM Participação de Administração. “São essas empresas de participação quem administram inteiras fortunas, para acobertar patrimônio de particulares, que não tem como justificar contabilmente a aquisição de ativos”, afirma o texto.
Neste caso, a representação de novo não diz, mas é outra desconfiança dos denunciantes do senador, também pode ter havido desvio de recursos públicos mineiros, por meio da Companhia de Desenvolvimento Econômico, para a família Neves.
Minas: 'estado de exceção'
Os adversários do senador tentam emplacar uma investigação federal contra Aécio – e por isso que se apegam a questão fiscais – para contornar supostos silêncio e omissão de instituições mineiras, que estariam sob controle total do ex-governador.
“Aqui no estado nós vivemos num regime de exceção. A imprensa, o tribunal de contas, a Assembléia Legislativa são todos controlados pelo Aécio”, diz Rogério Correia. “Esse Aécio que aparece sorrindo em Brasília é o 'Aécio ternura'. Mas aqui em Minas tem um 'Aécio malvadeza'”, afirma Savio Cruz, usando expressões que no passado referiam-se ao senador Antonio Carlos Magalhães.
O senador Aécio Neves foi procurado, por meio da assessoria de imprensa, para comentar a denúncia, mas não havia respondido até o fechamento da reportagem. A Procuradoria informou, também por meio da assessoria, que não há prazo para o procurador Roberto Gurgel decidir se abre ou não a investigação contra o senador.
Carta Maior
De acordo com o MPF, o Ibama havia exigido 100% de saneamento. Agora, nas justificativas da licença, o órgão diz que haverá problema na qualidade de água de Altamira, município mais próximo das obras. O MPF afirma que o Ibama usou de um termo técnico – “eutrofização” – para dizer que em algumas localidades a água ficará “podre”, com excessos de compostos químicos, provocando aumento da quantidade de algas no rio.
Ainda segundo O MPF, a condição apresentada durante a licença prévia, de que não poderia haver interrupção da navegabilidade em trecho algum da área afetada pelo empreendimento e em nenhum momento da obra, não será possível, uma vez que o rio secará em uma área habitada por 20 mil índios, causando inúmeros danos aos indígenas.
No relatório de intervenções físicas enviado na semana passada pelo Consórcio Norte Energia, as condicionantes de saneamento e navegabilidade já haviam sido deixadas de lado. O documento, informa o MPF, tratava apenas de ações previstas até julho de 2012 nas áreas de saúde e educação.
Pedido de providências
Mais cedo, ao anunciar uma série de medidas para reduzir possíveis impactos socioambientais das obras, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, falou sobre a possibilidade de o MPF acionar a Justiça contra a emissão da licença ambiental. No dia 26 de maio, a AGU aprsentou um Pedido de Providências ao Conselho Nacional do Ministério Público contra a atuação de procuradores da República por sua posição claramente hostil em relação à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
“O governo tem uma posição, espero que a base siga a posição do governo. Não tem dois governos, tem um governo”, disse a presidenta.
Dilma, que durante a campanha prometeu não apoiar projetos que anistiassem desmatadores, lembrou que tem a prerrogativa de vetar propostas que considera “prejudiciais” ao país, mas fez um apelo para que haja entendimento entre as lideranças no Congresso.
Foi uma resposta ao bate-boca ocorrido no plenário da Câmara entre o líder do governo na Casa, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), e o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).
Alves foi um dos apoiadores da inclusão de uma emenda que tirou do governo a atribuição de regularizar as atividades agrícolas em áreas de proteção permanente (APPs). A mesma emenda anistiou desmatamentos cometidos por produtores até 2008. O governo era contra essa mudança no texto-base relatado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mas não conseguiu unir a base em torno da questão.
Ao ouvir de Vaccarezza que a presidenta Dilma considerava “vergonhosa” a alteração, Alves reagiu dizendo que não aceitava a ideia de que havia ajudado a derrotar o governo. “Não sou aliado do governo Dilma, eu sou o governo Dilma, eu tenho o vice-presidente da República, que não foi nomeado, foi eleito”, disse.
Apesar do discurso, Alves e a ala peemedebista que seguiu em direção contrária à orientação do Planalto foram duramente criticados pelos colegas petistas na Câmara.
Reação
Dilma, em entrevista coletiva dada após evento no Palácio do Planalto, nesta quinta-feira - dois dias após a votação do projeto - reiterou a posição de seu partido ao comentar o que chamou de “impasse” observado na Câmara. “Eu, primeiro, tentarei construir uma solução que não leve a essa situação de impasse que ocorreu na Câmara, lá no Senado. Agora, eu tenho compromisso com o Brasil. Eu não abrirei mão de compromisso com o Brasil. Nós temos obrigações diferentes e prerrogativas diferentes. Somos Poderes e temos de nos respeitar: Judiciário, Legislativo e Executivo. Eu tenho a prerrogativa do veto. Se eu julgar que qualquer coisa prejudica o país, eu vetarei”, prometeu.
A presidenta disse ter ciência que seu veto pode, futuramente, ser derrubado pela Câmara novamente, e indicou que a questão pode ser resolvida em instâncias judiciais. Reiterou, no entanto, que é “a favor do caminho da compreensão e do entendimento”.
A declaração demonstra como está o clima entre o governo e a base aliada em seu segundo grande teste no Congresso – o primeiro foi a votação do valor do salário mínimo, em que o Planalto venceu a queda de braço com as centrais sindicais.
Vale lembrar que, ao tomar posse, Dilma contava com uma base de apoio maior do que a de seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, graças à aliança costurada entre petistas e peemedebistas durante as eleições.
Ao justificar os motivos que a levam a pensar em vetar o código, Dilma afirmou que o país deve ”combinar a situação de grande potência agrícola que ele é com a grande potência ambiental”.
“Não sou a favor da consolidação dos desmatamentos, da anistia aos desmatamentos. Eu acho que no Brasil houve uma prática que a gente não pode deixar que se repita. Muitas vezes se anistiava, por exemplo, dívidas, e novamente se anistiava dívidas, e as dívidas eram novamente anistiadas”, analisou.
Dilma disse, por fim, que a punição aos desmatadores deve ocorrer “não por nenhuma vingança, mas porque as pessoas têm de perceber que o meio ambiente é algo muito valioso”.
Carta Capital
Matheus Pichonelli